Sombras

Tarde, o sol estendia as sombras pelo chão, longas compridas as vezes até demais, as crianças brincavam em um parque ao alcance dos olhos do velho, e ele sentado nos degraus da entrada de sua casa observava calmamente as sombras crescerem mais e mais...
No colo dele um pequeno álbum de fotos, e na mente o desejo de fazer as sombras ficarem cada vez menor, cada vez mais próximas de sua origem... mas as sombras não paravam de crescer. E as crianças já eram chamadas a suas casas... e ele a folheava o velho álbum, uma ou outra criança passava por ele, e com um suave “boa noite vovô” acenava do outro lado da rua, ele sorrindo docilmente acenava de volta e retornava as fotos...
O céu ia escurecendo as luzes da rua acendendo assim como as estrelas, e ele ali ainda, olhando a rua vazia com as fotos nas mãos, e filmes na cabeça...
Já se iam muitos anos desde que ela faleceu, ele ainda se sentia um tanto culpado por isso, não pode nem ao menos sentar-se ao lado dela nos últimos momentos, nem dizer o quanto sentiria sua falta... ele longe impossibilitado de qualquer prova de afeto dizia apenas nos telefonemas, “melhore logo” ... e seria o bastante se ela tivesse melhorado..
Os olhos vermelhos dele eram o prelúdio de uma noite longa a frente da lareira, com cartas e fotos, e tantas lagrimas no rosto...
“Pensava que eu já estava seco, não tinha mais nada para chorar” pensou ele levantando-se e caminhando lentamente para dentro de casa enquanto as lagrimas corriam em seu rosto rugado.
A frente da velha lareira, ele praticamente relembrou todos os anos que viveram juntos, cada café da manhã, cada beijo no portão, cada sorriso, lagrima, vontade, felicidade, desejo, angustia e contentamento que tiveram juntos... mas foi uma foto, a ultima foto que ele viu na noite que o fez pensar mais ainda...
Ele suspendia a menina sobre a cabeça no fundo a frase de parabéns pra você o nome de sua filha, Ela, a filha sorrindo alegremente, os parentes ele olhava para o lado, e ali quase saindo do enquadramento da foto... ela... mandando um beijo, com um gesto quase mudo e uma mão no sobre o peito... ele lembrou-se que ela tinha os olhos vermelhos, era aniversário de sua filha, ele jovem e ela também... Mas por que ela chorava?
Virando a foto, viu em letras infantis. A data da foto e uma frase “Meu presente mais querido” e abaixo as letras inconfundíveis dela “ Nesse dia, minha filha ganhou o presente que ela me pediu o mês todo, e eu ganhei meus carinhos sonhados a tantos meses...”

De súbito seu peito gelou, e ele lembrou-se que ele não ia a sua casa a tempos por que estava preso em seu trabalho, e sua esposa dizia que sua filha pedia unicamente a presença de seu pai... sua cabeça pesou tanto... uma breve olhada para o relógio... e depois...
- Alô
-Filha...
-PAI.... Quanto tempo, que saudade..
-Eu também filha...
-Tudo bem com o senhor? Aconteceu algo?
-Não, nada, to bem sim, é que... hoje...
-Eu sei pai... também tava pensando nela..
-Como esta o garoto?
-Pai... vou levar ele ai para ver o senhor... ele esta pedindo pra ver o senhor o mês todo... e eu também...
A conversa se estendeu por mais alguns minutos, e ao desligar o telefone, a casa não parecia tão vazia e fria... e as lagrimas agora corriam ao encontro de um sorriso feliz de avô...pai... e mesmo não vendo.. ele sabia que ela também sorria...

Comentários

Jaqueline disse…
Bom passar por aki e sempre encontrar um texto novo, um texto cada vez melhor. Ja disse q adoro seu texto pela sequencialidade e facilidade q nos proporciona de ir imaginando a historia junto, de imaginar o q acontecerá e torcer por um final e este sempre nos surpreenda. Otima escrita Brubs! Continue sempre.. Beijos, Jaque.
Então, hoje vim ''fuxicar'' seu baú... já ia ler o conto acima desse, porém esse chamou minha atenção... e quando terminei a leitura senti um leve puxão no canto da boca, e pisquei, sabe, eu sempre sinto isso quando leio algo capaz de mudar alguma coisa dentro de mim... isso é muito bom. Eu já ia saindo, quietinha, com a promessa de voltar e ''te ler'' +, porém não achei justo, afinal, seu pagamento né?rs... Quanto a pergunta a respeito se seus contos, vou dar minha opinião sim, mas depois de ''te ler'' muito.Deixo um abraço além desse comentário e espero que você escreva sempre! Muito. Tudo.
Maria Luciana

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