No fim da rua.
Ninguém percebeu e talvez nunca iriam perceber, mas aquele rapaz franzino já carregará nos ombros pesos maiores que muitos homens maduros e fortes, seu andar timidamente decidido o fazia passar despercebido aos olhos ávidos por heróis e exemplos e ele até certo ponto era feliz por isso.
Este jovem, magro e pálido que trazia os olhos fundos no rosto, sentava-se sempre a praça no fim da rua, invisível aos olhares de qualquer, ele sentava-se ali deixando o dia passar por sobre sua cabeça, poucas vezes alguém sentava a seu lado, mas mesmo assim... ninguém percebia seu espaço.
Foi o senhor do fim da rua, aquele que sentava-se todo dia na mesma hora em sua cadeira de palha em sua varanda que o viu passar, cabelos negros cobrindo o rosto que fintava o chão, as mãos enfiadas nos bolsos e uma pasta frouxa debaixo de um braço, foi esse senhor que todo mundo percebia e notava, que o acompanhou com os olhos até o fim da rua e o viu sentar-se no banco e passar o dia ali... virando e revirando a pasta.
O velho senhor, levantou-se e aprumou as calças, apertou o sinto e seguiu em passos lentos a rua que subia, e no fim como que esperando o jovem sentado fintava o chão e pousava a pasta em suas pernas, o velho, aquele mesmo que andava lentamente apressou os passos, como quem soubesse da urgência do encontro ou quem foge de um outro... logo ofegante sentou-se ao lado do jovem e pode olhar com um pouco mais de intimidade a pasta que o jovem mantinha segura em seu colo.
Através do material transparente da pasta pode ver uns tantos poemas e desenhos e em meio a versos estranhos reconheceu um.
- aaa Ismalia, A louca da torre...
- Hein? – Respondeu o jovem franzino que franziu a sobrancelha.
- A perdão vi em sua pasta uma frase de Ismalia, “queria a lua do céu queria a lua do mar”... sempre gostei desse texto, mas nunca entendi muito bem. Você entende?
- É simbolismo, é difícil explicar, cada um “Le” de uma forma.
- Eu acho que ela é louca... e solitária, na verdade... ele fala logo de cara né que ela é louca.
- Na verdade ele diz que ela enlouqueceu, não quer dizer que seja louca.
- Como? Se enlouqueceu é louca.
- Quantas vezes já ouviu alguém dizer “estou louco de raiva” e nem por isso ele é visto como um louco realmente... quantas vezes um casal faz juras de amor “loucamente” um para o outro? E confessam entre beijos que são “loucos de amor” ?
- Hummm nunca tinha pensado dessa forma... mas de qualquer forma... é louca... se jogou da torre por causa da lua.
- Por causa de um sonho, mais uma dica para entender o poema... ela tinha duas escolhas, aparentemente iguais mas em formas e meios diferentes, uma real, concreta mas intangível, e outra a imagem distorcida, virtual e invertida do reflexo.
-Não entendi... – Disse o velho apoiando a mão no joelho e a outra coçando o rosto.
- Ela tinha dois caminhos a seguir... estava dividida, em duvida... não sabia o que era melhor ou pior... apenas sonhava com o toque de um imagem ou a perfeição impossível da outra.
-A...e daí?
- E daí ela se entrega a perfeição, transforma em verbo seu desejo,” e, no desvario seu Na torre pôs-se a cantar, estava perto do céu, estava longe do mar” ela mostra de novo que estava em duvidas, ela se mostrava a uma imagem impossível de ter, e sentia-se atraída pelo toque do real, queria o mar...
- AAA então ela estava apaixonada, a lua era seu amante então?
-... acredito eu que sim...
-Mas e o resto?
O jovem olhou o senhor, e só agora percebeu que estava gostando de conversar com ele, sentia-se bem em falar e então continuo a explicar o que entendia das linhas
- Ai fica complicado... ela se lança no meio das escolhas, buscando as duas ao mesmo tempo, mas não pode ser assim...
-Ela cai e morre
- Não vejo ela morta realmente .
-Mas no poema fala, “sua alma subiu aos céus, seu corpo desceu ao mar”
- Ela jogou-se, correto, mas metaforicamente falando ela se jogou na vida, foi atraída pela gravidade da vida e como nesse mundo não existe perfeição, manteve-se na terra junto a imagem da lua no mar, mas sua “alma” suas idéias seus pensamentos... bem esses ficaram com a outra opção... a perfeição o impossível.
- ... Olha meu jovem... nem que eu lesse esse poema mais 80 anos eu entenderia dessa forma...
- ... É senhor... e como entenderia?
- Ela ficou maluca , por algum motivo, e decidiu abrir mão de sua vida. Ela era uma Lunática.
- O senhor se atenta apenas a que diz as palavras e não ao que elas querem dizer.
- Verdade... mas obrigado viu? Gostei da nova forma de leitura que me mostrou.
- Que nada...
- Mas se me permite perguntar... por que senta-se aqui sozinho o dia todo?
O jovem baixou a cabeça... respirou fundo e levantou os olhos... o senhor a seu lado acompanhou a linha que os olhos do jovem traçavam no espaço e viu uma casa no fim da rua, com uma janela aberta e uma jovem menina no portão envolvida nos braços de um outro rapaz.
-Humm... esta admirando sua lua é?
- Não...
- Então o que faz olhando a jovem no fim da rua?
- Eu observo a Ismália escolhendo a imagem real.
O senhor olhou o jovem, olhou a pasta em suas mãos e colocando a ponta dos dedos em seu ombro disse ao jovem.
- É vai ver que logo logo ela cai na realidade, e olha a imagem do reflexo...
- Acho que isso pode acontecer... ou não... enquanto isso eu fico aqui... refletindo o dia todo.
O senhor levantou-se despediu-se educadamente e voltou pra casa, Foi esse mesmo senhor, que reconheceu no jovem franzino e pálido, um mundo contido... como em uma estrela que se comprime esse jovem se espremia dentro daquele jovem franzino e pálido... e tudo que o jovem queria era uma chance de mostrar todo seu mundo a sua “ismália” do fim da rua.
Ismália
Alphonsus de Guimaraens
Quando Ismália enlouqueceu,
Pôs-se na torre a sonhar...
Viu uma lua no céu,
Viu outra lua no mar.
No sonho em que se perdeu,
Banhou-se toda em luar...
Queria subir ao céu,
Queria descer ao mar...
E, no desvario seu,
Na torre pôs-se a cantar...
Estava perto do céu,
Estava longe do mar...
E como um anjo pendeu
As asas para voar...
Queria a lua do céu,
Queria a lua do mar...
As asas que Deus lhe deu
Ruflaram de par em par...
Sua alma subiu ao céu,
Seu corpo desceu ao mar...
Este jovem, magro e pálido que trazia os olhos fundos no rosto, sentava-se sempre a praça no fim da rua, invisível aos olhares de qualquer, ele sentava-se ali deixando o dia passar por sobre sua cabeça, poucas vezes alguém sentava a seu lado, mas mesmo assim... ninguém percebia seu espaço.
Foi o senhor do fim da rua, aquele que sentava-se todo dia na mesma hora em sua cadeira de palha em sua varanda que o viu passar, cabelos negros cobrindo o rosto que fintava o chão, as mãos enfiadas nos bolsos e uma pasta frouxa debaixo de um braço, foi esse senhor que todo mundo percebia e notava, que o acompanhou com os olhos até o fim da rua e o viu sentar-se no banco e passar o dia ali... virando e revirando a pasta.
O velho senhor, levantou-se e aprumou as calças, apertou o sinto e seguiu em passos lentos a rua que subia, e no fim como que esperando o jovem sentado fintava o chão e pousava a pasta em suas pernas, o velho, aquele mesmo que andava lentamente apressou os passos, como quem soubesse da urgência do encontro ou quem foge de um outro... logo ofegante sentou-se ao lado do jovem e pode olhar com um pouco mais de intimidade a pasta que o jovem mantinha segura em seu colo.
Através do material transparente da pasta pode ver uns tantos poemas e desenhos e em meio a versos estranhos reconheceu um.
- aaa Ismalia, A louca da torre...
- Hein? – Respondeu o jovem franzino que franziu a sobrancelha.
- A perdão vi em sua pasta uma frase de Ismalia, “queria a lua do céu queria a lua do mar”... sempre gostei desse texto, mas nunca entendi muito bem. Você entende?
- É simbolismo, é difícil explicar, cada um “Le” de uma forma.
- Eu acho que ela é louca... e solitária, na verdade... ele fala logo de cara né que ela é louca.
- Na verdade ele diz que ela enlouqueceu, não quer dizer que seja louca.
- Como? Se enlouqueceu é louca.
- Quantas vezes já ouviu alguém dizer “estou louco de raiva” e nem por isso ele é visto como um louco realmente... quantas vezes um casal faz juras de amor “loucamente” um para o outro? E confessam entre beijos que são “loucos de amor” ?
- Hummm nunca tinha pensado dessa forma... mas de qualquer forma... é louca... se jogou da torre por causa da lua.
- Por causa de um sonho, mais uma dica para entender o poema... ela tinha duas escolhas, aparentemente iguais mas em formas e meios diferentes, uma real, concreta mas intangível, e outra a imagem distorcida, virtual e invertida do reflexo.
-Não entendi... – Disse o velho apoiando a mão no joelho e a outra coçando o rosto.
- Ela tinha dois caminhos a seguir... estava dividida, em duvida... não sabia o que era melhor ou pior... apenas sonhava com o toque de um imagem ou a perfeição impossível da outra.
-A...e daí?
- E daí ela se entrega a perfeição, transforma em verbo seu desejo,” e, no desvario seu Na torre pôs-se a cantar, estava perto do céu, estava longe do mar” ela mostra de novo que estava em duvidas, ela se mostrava a uma imagem impossível de ter, e sentia-se atraída pelo toque do real, queria o mar...
- AAA então ela estava apaixonada, a lua era seu amante então?
-... acredito eu que sim...
-Mas e o resto?
O jovem olhou o senhor, e só agora percebeu que estava gostando de conversar com ele, sentia-se bem em falar e então continuo a explicar o que entendia das linhas
- Ai fica complicado... ela se lança no meio das escolhas, buscando as duas ao mesmo tempo, mas não pode ser assim...
-Ela cai e morre
- Não vejo ela morta realmente .
-Mas no poema fala, “sua alma subiu aos céus, seu corpo desceu ao mar”
- Ela jogou-se, correto, mas metaforicamente falando ela se jogou na vida, foi atraída pela gravidade da vida e como nesse mundo não existe perfeição, manteve-se na terra junto a imagem da lua no mar, mas sua “alma” suas idéias seus pensamentos... bem esses ficaram com a outra opção... a perfeição o impossível.
- ... Olha meu jovem... nem que eu lesse esse poema mais 80 anos eu entenderia dessa forma...
- ... É senhor... e como entenderia?
- Ela ficou maluca , por algum motivo, e decidiu abrir mão de sua vida. Ela era uma Lunática.
- O senhor se atenta apenas a que diz as palavras e não ao que elas querem dizer.
- Verdade... mas obrigado viu? Gostei da nova forma de leitura que me mostrou.
- Que nada...
- Mas se me permite perguntar... por que senta-se aqui sozinho o dia todo?
O jovem baixou a cabeça... respirou fundo e levantou os olhos... o senhor a seu lado acompanhou a linha que os olhos do jovem traçavam no espaço e viu uma casa no fim da rua, com uma janela aberta e uma jovem menina no portão envolvida nos braços de um outro rapaz.
-Humm... esta admirando sua lua é?
- Não...
- Então o que faz olhando a jovem no fim da rua?
- Eu observo a Ismália escolhendo a imagem real.
O senhor olhou o jovem, olhou a pasta em suas mãos e colocando a ponta dos dedos em seu ombro disse ao jovem.
- É vai ver que logo logo ela cai na realidade, e olha a imagem do reflexo...
- Acho que isso pode acontecer... ou não... enquanto isso eu fico aqui... refletindo o dia todo.
O senhor levantou-se despediu-se educadamente e voltou pra casa, Foi esse mesmo senhor, que reconheceu no jovem franzino e pálido, um mundo contido... como em uma estrela que se comprime esse jovem se espremia dentro daquele jovem franzino e pálido... e tudo que o jovem queria era uma chance de mostrar todo seu mundo a sua “ismália” do fim da rua.
Ismália
Alphonsus de Guimaraens
Quando Ismália enlouqueceu,
Pôs-se na torre a sonhar...
Viu uma lua no céu,
Viu outra lua no mar.
No sonho em que se perdeu,
Banhou-se toda em luar...
Queria subir ao céu,
Queria descer ao mar...
E, no desvario seu,
Na torre pôs-se a cantar...
Estava perto do céu,
Estava longe do mar...
E como um anjo pendeu
As asas para voar...
Queria a lua do céu,
Queria a lua do mar...
As asas que Deus lhe deu
Ruflaram de par em par...
Sua alma subiu ao céu,
Seu corpo desceu ao mar...
Comentários
Sempre gostei desse poema... Nunca a vi como maluca, sempre como sonhadora que conseguiu o que queria... No final ela fica tanto com o mar, quanto com a lua.. Lindo texto!