Eterna manhã



Sentou-se a velha cadeira, o ranger da madeira cansada do tempo unia-se ao lamento silencioso daquele velho senhor, a janela a sua direita iluminava seu rosto com uma suave luz matinal, e embora fosse cedo para ele o dia já se estendia de mais, todos os dias estendiam-se demasiadamente.
Lá fora os carros começavam sua jornada na cidade, as crianças corriam para a condução da escola, os pais iam para os trabalhos, em algum jardim alguém regava suas plantas e em outra esquina alguém passeava com seu cão, mas o importante é que ali, sentado a velha cadeira, o senhor sentia-se isolado de tudo isso, completamente extraterrestre em seu mundo, como um cosmonauta que olha por sua janela o mundo que um dia fez parte.

Fechou os olhos e mais uma vez sentiu seus sentimentos correrem-lhe o rosto, e logo todos eles dançavam em suas bochechas e corriam até o queixo.

Seus dedos rugosos dos anos, e trêmulos alcançam o porta-retratos, e ele se pergunta quem diabos hoje em dia ainda usa porta-retratos? - são tantas telas fones em mãos mostrando a cada segundo milhares e milhares de fotos… mas tudo que ele sempre amou estava ali… em uma estática imagem desbotada pelo tempo, assim como os cabelos que antes negros da foto, e os sorrisos…
Já faziam anos que ela havia partido, e ele, bem ele sentia como se tivesse sido no dia anterior, e por isso os dias arrastavam-se lentamente, como uma tarde de domingo chuvoso, O velho telefone ao lado da foto já não tocava a anos, e ele mesmo não mais sentia falta, era como uma decoração, uma que também lembrava a ela, que sentava-se a poltrona e passava horas falando com seus amigos e familiares.

“Pode não parecer, mas um dia vai sentir falta disso” ele quase pode ouvir a voz dela dizendo isso pouco antes do ruído do telefone sendo posto no gancho… Mais um sinal de que ele era velho, gancho, que telefone hoje em dia possui ganchos? Todos já foram fisgados por um mundo de touch e wi-fi… poucos hoje sentam-se a janela mesmo tristes para ver o mundo passar..
Esfregou os olhos, e ao olhar para o relógio as horas pareciam brincar com ele, ainda eram 9h e ele já sentia-se cansado, queria deitar-se a cama e dormir por mais um dia…

Logo o Ding-Dong da porta lhe denunciavam ainda mais a idade, o apito elétrico há muito havia tomado o lugar dos harmônicos ding dongs das campanhia. Era o entregador da Padaria, um dos poucos que aindam lhe visitava regularmente, claro que por algumas notas e para trazer-lhe os mantimentos da semana, era um trato que havia feito com o dono da padaria do fim da rua.
O pão era entregue todo dia, e uma vez por semana os outros quitutes de um belo café da manhã… 
E isso o lembrava que ainda era manhã, e que o dia não passava e ele sentia-se ali preso como um escritor sem criatividade se sente preso ao primeiro paragrafo de seu texto…


Sentou-se a cadeira da cozinha, que também rangeu… e ele novamente senti o peso de estar ali, em sua casa vazia dela, e suspirando disse.

- É… eu também sinto saudades dela… - E mastigou lentamente o pão



Comentários

Anônimo disse…
Gostei !
Att:
Lívia

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