Cattleya labiata

A comida sem gosto rolava em sua boca, a parede do hospital era tão tediosa como um programa de domingo, e as visitas que antes alegravam e davam força a ele agora estavam cada vez mais escassas, afinal a vida de todos continuava e só a dele deslumbrava um fim.
As mãos tremulas não conseguiam manter a gelatina na colher, e ele a muito já tinha desistido das sobremesas, eram tão sem gosto como a própria comida, a única coisa que o agradava e fazia seus dias passarem eram os longos momentos que se sentava na cama e com um bloco de papel e lápis desenhava e desenhava por horas e horas, As enfermeiras muitas vezes ficavam ali ao lado dele observando as únicas horas em que suas mãos rugosas de tempo mantinham-se firmes para traçar os contornos de uma arvore, ou uma flor. Mas um desenhos se repetia sempre, ao menos parecia ser o mesmo desenho.
Uma jovem sentada em uma pedra debaixo de da copa de uma arvore tendo em suas mãos uma orquídea, o vendo suave mexendo no cabelo dela, ela olhando com um sorriso suave e doce para um lado e o sol atrás se pondo e contra o sol um vulto indecifrável, não conseguia saber se ele estava indo ou vindo.
- O senhor desenha muito bem sabia? – disse uma jovem enfermeira bem ao lado dele.
- Poxa obrigado, é o tempo sabe? Muito tempo fazendo algo te faz fazer isso bem, seja o que for.
- Verdade... experiência é algo muito importante, mas o senhor tem um DOM, isso é um fato.
- HAAA nem tenho, dom é algo que independe de prática, de trabalho árduo, eu passei minha vida toda tentando desenhar, é apenas pratica, o que você chama de dom eu chamo de esforço.
- HAHAHA ok, são lindos, mas quem é essa menina?
-... Que menina? – disse disfarçando muito mal.
- Essa que o senhor desenha sempre. Essa com as flores na mão?
- Orquídeas, são orquídeas... é alguém que eu conheci a muito tempo, e que embora eu ame perdidamente não pude ter comigo.
-E por que não?
-... Tem coisas que a vida nos da sem que a gente entenda, da mesma forma a vida nos tira coisas sem que a gente consiga explicar... mas eu não a tive por mais tempo por que ela tinha um sonho, uma vontade e um... um desejo que tinha que buscar... e mesmo eu não aceitando tão bem de inicio hoje sei que ela se foi por que tinha que ir...
- Ela Deixou o senhor? Viajou?
- é... digamos que sim, agora me faça um favor, e me traga aquele copo com agua sim
- Mas o senhor nunca mais a viu? – disse entregando o copo com agua.
- Sim, acho que a vi um certo dia em meio a multidão, ela estava agarrada ao braço de um rapaz, achei até que ela tinha me visto mas depois percebi que não.
- E por que não foi falar com ela? – sentada no banco de visitas folheando os desenhos e atenta a história como uma netinha ouve os relatos do avô.
- A... Quando eu e ela nos separamos, não foi uma coisa fácil, brigamos e falamos coisas um para o outro que não deviam ser ditas, ela estava feliz, sorrindo, era ele o sonho dela, eu... eu era só um jovem apaixonado, um infante apaixonado... embora não fosse infante a tempos.
- Infante quer dizer sem fala o senhor sabe não é?
- sim. As crianças não tinham direitos a falar, por que dizia-se que só falavam besteira... eu so falei e fiz besteira aquele tempo.
- E por que o senhor a desenha sempre?
- Por que eu já desenhava ela antes, esse desenho eu fiz a muito tempo atrás, e o tempo passou e passou até que eu conheci essa mulher, que tinha os traços desse desenho, lindos olhos vivos e brilhantes, cabelos quentes como chamas, lábios ainda mais quentes e doces... e era apaixonada por orquídeas... Logo orquídeas.
- Por que logo orquídeas?
- São flores lindas, mas solitárias, elas não vivem em grandes plantações, são flores que se prendem a galhos, arvores... mas sempre por pouco tempo. Tem uma vida curta.
-Ela já morreu?
- POR DEUS NÃO... a ultima noticia que tive dela não... e nem quero... acho que prefiro morrer primeiro.
-Mas o senhor nem fala com ela, que diferença faz?
- Para mim faz toda, acordo todo dia com a esperança de que eu a veja, de que e ela entre por essa porta e me diga uma de suas frases típicas, que me sorria como sorriu a ultima vez que a vi, e que deixe eu olhar para ela uma vez mais.
- O senhor ainda a ama muito não é?
- Mais do que amava no dia que disse a ela “eu te amo”.
-... Poxa já não se faz mais amores como esse hein? O senhor é o ultimo.
- ... o que é uma pena... logo tudo vai acabar.
-... Sabe... se eu soubesse o nome dela eu poderia procurar para o senhor
- Não... eu acredito que borboletas devem voltar se sentirem-se bem para isso, não por artimanhas ou convites... em algum lugar ela sabe que eu ainda a amo... e sabe como me achar.
A enfermeira levanta-se e caminha até a porta, e antes de sair o olha desenhando e pensa que algumas pessoas passam a vida toda procurando uma pessoa para amar, outras passam por ela amando e desamando pessoas erradas mas esse senhor passa sua vida amando alguém a quem ele sequer pode ver... e por fim fechando a porta diz suavemente
“é... isso é um amor que não existe mais”
e ouve o som do lápis caindo da mão inerte do velho senhor.
No desenho, os olhos brilhantes, a boca, o cabelo esvoaçante e a sombra definida de um jovem indo embora enquanto ela sorri para outro lado.

Comentários

Lucio Ximenes disse…
romantico demais... Podia ser mais misterioso...bem escrito, boa leitura. LUCIO XIMENES
Opa Lucio tudo bem?
bem, a ideia era ser romântico mesmo. e não misterioso. sucesso.

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