AQUELA RUA.

Quando ele virou a esquina não esperava ver nada fora do costume, as pessoas olhando as lojas, algumas sentadas às mesas nas calçadas, alguns senhores de terno andando apressadamente de um lado para o outro carregando suas pastas. Alguns jovens de mãos dadas e alguns casais se beijando escondidos nos cantos, mas ficou quase congelado ao ver vindo em sua direção entre as tantas pessoas que passavam daqui para ali aquela menina que por muitas vezes e noites o tinha tirado o sono.
Ela vinha andando olhando a vitrine com seu vestido de alça a bolsa clara a tira colo, um olhar assustado muitas vezes, talvez por medo de que alguém metesse a mão em sua bolsa e roubasse-lhe seus pertences, aquele celular que ela enfiava um plug e punha os fones no ouvido, dando assim a ela um ritmo todo diferente ao dia, por vezes sorria, talvez contente com o que via na vitrine ou com o que ouvia nas musicas, mas era um sorriso tão miúdo, tão fraco que ele pouco conseguia sentir o calor destes. Ele escondeu-se atrás de um poste, e ficou ali... olhando ela passar.
Ela parou em uma loja bem de fronte a ele, com os cabelos castanhos claros cobrindo quase o rosto todo, mas para ele, ali naqueles pequenos segundos fora como se o mundo parasse e ele pudesse ver a face da mulher mais linda que existira até então, era ela... e para ele poderia ser noite escura e ela estar mascarada, se ele soubesse que era ela... tudo estaria límpido e claro... afinal ele sempre a via com outros olhos, ele sempre a via com os olhos cegos de um amor mudo.
Ela arrumou o cabelo por de trás da orelha e com a ponta do dedo tocou o lábio, parecia pensar se devia ou não entrar na loja algo saltava seu interesse, ela olhou uma vez mais a vitrine mas fazendo um biquinho miúdo de canto, como uma negação mental que seu desejo consumista desaprovava, deu as costas a loja e seguiu lentamente pela rua.
Ele tremeu, a tempos não a via assim, e quando achava que a via e corria atrás era para logo depois dizer a frase que não aguentava mais repetir. “Desculpe, pensei que fosse uma outra pessoa” mas não agora era ela, de fato era ela, o vestido de alça, o andar decidido mas mais forte que isso o perfume inconfundível... era ela dizia o coração dele que socava o peito como que pedindo para sair e quem sabe assim correr atrás dela, mas a perna tremeu, a voz secou na garganta como gota de agua em chapa quente, e a coragem fincou seus pés na duvida, ele agora era ali aos olhos atentos de quem o via a personificação do termo “congelado”
Sua mente a seguiu por mais três ou quatro passos, até que em um suspiro mudo disse também em pensamento, “vira... vai... vira e me vê” ela trocando a bolsa de ombro, joga o cabelo por de um lado para o outro e ele tem ali a certeza de que ela ira se virar, e talvez por dois ou três milésimos de segundo ela o tenha feito, mas ela não viu... ele apenas viu o perfil perfeito de seu rosto, os óculos postos e o olhar que se fechou tão lentamente quanto o resto do mundo se movia.
Ele em fim moveu-se, um passo depois outro e outro e por fim estava já tocando com seus dedos a sombra dela quando por impulso recolhe a mão e a vê sorrir no reflexo para um rapaz que vinha na direção contraria, parou novamente, o mundo agora corria, e só ela e o rapaz moviam-se lentamente, jovens casais passavam sorrindo e rindo, adultos apressados também sorrindo e rindo e ele ali congelado tinha para si que todos riam apenas e unicamente dele.
Ela levanta o rosto para beijar o jovem que vinha na direção contraria e o rapaz abaixa o rosto para receber os beijos... os olhos dele se fecham e ele não vê mais nada... ouve apenas os passos a sua volta e seu coração que socava forte o peito ir minguando as forças e por fim cair no ritmo firme de sempre...no ritmo frio de um tum tum ... tum tum...
Ao abri os olhos a rua estava como sempre esteve, sem motivos de sobressaltos, sem motivos de sorrisos, sem motivos de corações desparrados... ao menos para ele...
Ele virou-se de novo para onde ia, e mesmo não querendo sorriu, afinal... ele a viu... e mesmo que ela nunca mais o olhasse nos olhos ele tinha a imagem delicada dela pondo a ponta do dedo e pensando se devia ou não entrar em uma loja... para ele, nesse momento, bastava.



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